Ginkgo Biloba (IX)


EU SOU a árvore que Goethe cantou


OUTONO


O outono desse ano foi o mais longo, e o mais meditativo, de toda a minha existência. Pois tudo de misterioso que me tinha acontecido no verão ainda me dava muito que pensar…

Principalmente, eu interrogava-me sobre o verdadeiro sentido da vida. 

Em meu redor, a vegetação do parque tinha amadurecido. Os frutos iam caindo, aos poucos, à terra. As folhas das restantes árvores – de um tom alaranjado, amarelo-claro, verde-amarelado, castanho-avermelhado, amarelo-torrado, castanho-escuro ou dourado – começavam a secar nos ramos e, desprendendo-se, deslizavam no chão, sacudidas pelo vento, que era cada vez mais forte.

Na Natureza, tudo parecia querer despedir-se. E as águas da chuva, que se tornavam mais frequentes e abundantes, deixavam transparecer o desejo de limpeza e renovação, a necessidade de dizer adeus aos meses já passados daquele ano.

Pensar sobre a vida obrigava-me, agora, a pensar sobre a morte. Pois, como eu podia presenciar, tudo o que teve um início também terá um fim…

E este pensamento provocou-me uma tristeza imensa.

Compreendi que, algum dia, também eu teria de me despedir do parque e de dizer adeus à minha existência. Parecia-me inevitável…


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Olhei então para cima, para o céu.

Penso que nunca me tinha lembrado de o fazer antes. Pelo menos, não dessa forma. Olhava-o como se dele esperasse, exasperadamente, uma resposta…

Era o céu de uma tarde de outono: cinzento e carregado de nuvens.

Então, pela primeira vez, reparei que ele não era limitado, como esta Terra onde vivia.

Seria infinito? Se assim fosse, poder-se-ia também colocar a hipótese de uma existência infinita.

De contrário, porque haveria de existir um espaço infinito à nossa volta, se a nossa existência fosse limitada? Pareceu-me ilógico.

Pensei em como gostaria de receber uma resposta a esta pergunta. Mas quem seria capaz de me esclarecer?

Lembrei-me de perguntar a uma nuvem.

“Se ela ocupa um lugar num espaço ilimitado, talvez conheça a resposta”, concluí.


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– Nuvem! – chamei.    

– Que desejas? – perguntou-me ela.

– És capaz de me responder a uma pergunta?

– Qual?

– Eu gostava de saber se o céu é infinito.

– Isso, eu não sei. Mas nunca me senti condicionada. É provável que seja…

– E tu, também morres?

A nuvem ficou alguns momentos calada, depois de ter ouvido isto. Por fim, perguntou-me, muito admirada:

– O que é isso: morrer?!!

– Não sabes?! Morrer é deixar de existir!

– Não, eu não morro.

– Não?!

– Não.

– Então o que te acontece quando te desfazes em chuva?

– Infiltro-me no solo, alimento seres vivos, formo lagos, rios, oceanos… E, com o calor do Sol, evaporo-me, condenso-me e torno-me nuvem de novo.


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“Que estranho!”, pensei. “Tudo se opera em ciclo!”

Aconteceria o mesmo comigo?

Talvez ela tivesse razão… Olhando à minha volta, o que via? Vegetação que se desenvovia em solo fértil, absorvendo a energia da luz solar, a humidade do ar, a água da chuva…

E o que tornava o solo fértil? Claro! Os frutos maduros que nele jaziam, as folhas caídas no outono, a vegetação que aos poucos ia morrendo…

Assim, o que para mim, até àquele momento, parecia ser morte tinha a missão de sustentar a vida. Em ciclo também… 

Fiquei um pouco mais feliz. Afinal, na Natureza, nada morria verdadeiramente, só se transformava. Mas…

…“E a força interior que anima o meu corpo?”, refleti de seguida. “Essa força que me permite pensar, sentir e evoluir, enquanto ser vivo. Que faz com que não existam, em toda a Terra, dois seres que sejam iguais. Que faz de mim um ser único e irrepetível.” Sim, e essa força? Qual seria o seu percurso, depois de ter deixado a minha matéria de árvore?


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Nessa altura, apoderou-se de mim uma firme certeza: “A resposta a esta pergunta, terei de ser eu própria a encontrá-la”. Mas…

…“Se eu pudesse conhecer as suas origens, seria, por certo, mais fácil descobrir o que a esperaria”.

Viajei então, mentalmente, ao passado mais remoto, mas de nada me adiantou. A minha existência começava com a dos meus pais. A destes, por sua vez, com a dos seus. E por aí adiante, sem nunca mais acabar…

Concluí, por fim, que esse deveria ser o verdadeiro mistério. Sim! O mistério da procura, de que a minha Amiga aragem me tinha falado…

E como eu gostaria de receber notícias suas… Seria possível que ela já tivesse encontrado a resposta?…


Fernanda Alves Afonso Grieben

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Sou pintora, originária do Norte de Portugal, mas resido atualmente na Alemanha. Também gosto de escrever textos literários, sobretudo para a infância. Faço-o, principalmente, para mim própria. No entanto, alegro-me sempre que encontro uma possibilidade de partilhar a minha escrita com as demais crianças, de todas as idades. Sou Mestre em Teologia (UCP); Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas – variante de Estudos Portugueses e Doutorada em Estudos Portugueses, na especialidade de Literatura Portuguesa (UAb).

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