Amar e Ver a Verdade: «A Upanisad do Senhor»
.˙. Iśāvāsyopanisat .˙.
O termo sânscrito dharma costuma ser traduzido por ‘religião’. No entanto, na sua expressão original, ele possui um significado mais profundo do que este que, de uma forma geral, lhe é atribuído. Dharma é a essência de todas as coisas. É a verdade que está em nós. Uma verdade que, contudo, não é evidente, porque é inerente. Esta verdade, que se encontra escondida no interior dos seres, precisa de ser revelada pelo ‘deus da luz’, para que possa ser apreendida por quem a ama:
«15. A face da verdade mantém-se escondida por trás de um círculo de ouro. Revela-a, ó deus da luz, para que eu, que amo a verdade a possa ver! ║»
Encontramos, assim, o ‘amor’, no centro desta súplica que o hindu dirige ao Sol – o profeta solitário dos céus:
«16. Ó Sol que dás a vida, originado pelo Senhor da Criação, profeta solitário dos céus! Espalha a tua luz e retira o esplendor que cega, para que eu possa ver o teu magnífico aspecto: esse espírito oculto que se encontra dentro de ti é igualmente o meu mais íntimo Espírito ║»
Nos Upanishads, o homem que quer atingir a perfeita compreensão tem de ser um ‘amante’. Só através do amor ele será capaz de compreender, de se realizar, de se libertar. Amando a verdade, o homem – que atingiu a mais elevado grau de felicidade – reconhece-se como sendo mais do que ele próprio, pois ele é um com o Todo.
«6. Aquele que vê todos os seres no seu próprio Eu, e o seu próprio Eu em todos os seres, esse perde todo o medo ║»
«7. Quando um sábio vê esta grande Unidade e o seu Eu se tornou em todos os seres, que desilusão ou desgosto se lhe poderão jamais aproximar? ║»
Na sua vida, o homem pode experimentar o ‘medo’, a ‘desilusão’ , o ‘desgosto’; ou seja, pode sentir-se só e desprotegido, entregue à sua fragilidade humana. Esta é uma experiência comum que os antigos sábios, que habitavam as florestas na Índia, também fizeram. Contudo, foi na solidão humana das florestas que eles descobriram a Natureza e a força que a anima, em permanente ciclo de vida. E foi então que compreenderam que a sua existência não era uma existência isolada. A comunhão com a Natureza tornou-se então um dado apreendido que, com o tempo, seria convertido num desejo: o de estabelecer a harmonia entre o espírito do homem e o espírito do mundo. Nesse espírito comum residiria a verdade, o ‘Espírito’, cuja existência o homem não pode negar sem que entre ‘na escuridão da morte’:
«3. Há mundos assombrados pelos demónios, regiões das trevas. Todo aquele que em vida nega a existência do Espírito entra na escuridão da morte (ignorância) ║»
Este foi um dado igualmente adquirido. Pois nas florestas também havia sombras e escuridão. Lugares sombrios e escuros, onde os raios do Sol não penetravam. E os sábios que nelas habitavam perguntaram-se, se em si próprios, se no íntimo dos seus seres, também haveria ‘mundos assombrados’ aos quais a luz do Sol não chegasse. E concluíram que também eles possuíam em si ‘regiões de trevas’, mundos assombrados pelos demónios da ignorância. E, talvez para os melhor compreender, talvez para melhor os enfrentar e deles perder o medo, os sábios começaram a dar-lhes uma forma concreta. Eles serão chamados para o mundo real da consciência do hindu. Dessa consciência que o fez registar neste texto sagrado dos Upanishads as seguintes afirmações, baseadas no que ‘foi dito pelos antigos sábios’:
«9. Na profunda escuridão (ignorância) caem aqueles que seguem a acção (física). Na escuridão total caem ainda aqueles que seguem o intelecto ║»
«12. Na escuridão profunda caem aqueles que seguem o imanente. Numa escuridão ainda mais profunda caem aqueles que seguem o transcendente ║»
Para quem redigiu este texto, a unidade fundamental da criação não era simplesmente uma especulação filosófica; o seu objetivo vital era realizar essa grande harmonia entre o espírito do homem e o espírito do mundo, seguindo o ‘intelecto’ e a ‘ação’, seguindo o ‘imanente’ e o ‘transcendente’. Porque a vida é um Todo, indivisível. Não se reconhece qualquer oposição essencial entre vida e morte, e impera a suprema liberdade de consciência, como um ideal que não é meramente intelectual ou emocional, mas tem uma base ética e deve ser traduzido em ação.
Nesta busca de unidade, que abarca todas as esferas da vida, mesmo a social, a justiça é o divino alimento da alma. Virtude primordial, ela é a única capaz de preencher o homem totalmente e de o orientar no reto caminho que o conduzirá ao Eterno.
«18. Pelo caminho do bem conduz-nos à bem-aventurança final, ó fogo divino, tu, Deus, conheces todos os caminhos. Livra-nos de vaguear pelos maus caminhos. A ti te oferecemos orações e te saudamos ║»
Nos Upanishads, os que atingiram a meta da vida humana – a ‘bem-aventurança final’ – são os ‘pacíficos’, ou os ‘unidos-com-Deus’. Já que, estes se encontram em perfeita harmonia com o homem e a natureza, e por isso em imperturbável união com Deus. É um caminho de paz, este que conduz o homem ao seu fim último. Paz e harmonia que se realizam na vivência da bondade e do amor.
O Gayatri, um poema que é considerado o resumo de todos os vedas, faz parte da meditação diária de um hindu. Ele ajuda-o a compreender a unidade essencial do mundo com a alma consciente do homem; aprendendo a perceber a unidade que se mantém coesa graças ao único ‘Espírito Eterno’, cujo poder cria a terra, o céu e as estrelas, e ao mesmo tempo ilumina a mente do homem com a luz de uma consciência que se move e existe em ininterrupta continuidade com o mundo exterior.
«1. Observai o universo na glória de Deus: e tudo o que vive e se move na Terra. Evitai o que é perecível e procurai a alegria do que é Eterno: não vos deixeis atrair pelas posses dos outros ║»
A busca de riquezas, o cultivo do ego, impede a compreensão do mundo espiritual. Porque esta aquisições ‘prendem’ o homem e limitam-no. Por isso, a luxúria é vista pelo hinduísmo como um grave pecado que obscurece a consciência do homem, que se encontra dominado pela Avydia, a ignorância. Por esta razão, O Bhagavad Gita, a epopeia mais conhecida na Índia, aconselha a trabalhar sem que se cobice qualquer resultado do trabalho efetuado. E os Upanishads ensinam que Brahma, o ser que na sua essência é a luz e a vida em tudo, está nas nossas almas. Mas, para o poder sentir, o homem deve estar livre de desejos pessoais.
Esta é a chave para a consciência cósmica. Conhecer a sua alma, como algo separado do eu, é o primeiro passo que um hindu deverá dar no sentido de realizar a suprema libertação. Por isso, os grandes Reveladores, que se chamam Mahatmas, ou seja, ‘os homens de alma grande’, são os que vivem a vida da alma, e não a do ego.
«17. Que a vida se torne imortal, e que o corpo se torne em cinzas. OM Alma minha, lembra-te dos esforços passados, recorda-te! ║»
.˙. Iśāvāsyopanisat .˙. – «A Upanisad do Senhor» (Citações):
«15. A face da verdade mantém-se escondida por trás de um círculo de ouro. Revela-a, ó deus da luz, para que eu, que amo a verdade a possa ver! ║»
«16. Ó Sol que dás a vida, originado pelo Senhor da Criação, profeta solitário dos céus! Espalha a tua luz e retira o esplendor que cega, para que eu possa ver o teu magnífico aspecto: esse espírito oculto que se encontra dentro de ti é igualmente o meu mais íntimo Espírito ║»
«17. Que a vida se torne imortal, e que o corpo se torne em cinzas. OM Alma minha, lembra-te dos esforços passados, recorda-te! ║»
«18. Pelo caminho do bem conduz-nos à bem-aventurança final, ó fogo divino, tu, Deus, conheces todos os caminhos. Livra-nos de vaguear pelos maus caminhos. A ti te oferecemos orações e te saudamos ║»
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«3. Há mundos assombrados pelos demónios, regiões das trevas. Todo aquele que em vida nega a existência do Espírito entra na escuridão da morte (ignorância) ║»
«9. Na profunda escuridão (ignorância) caem aqueles que seguem a acção (física). Na escuridão total caem ainda aqueles que seguem o intelecto ║»
«12. Na escuridão profunda caem aqueles que seguem o imanente. Numa escuridão ainda mais profunda caem aqueles que seguem o transcendente ║»
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«1. Observai o universo na glória de Deus: e tudo o que vive e se move na Terra. Evitai o que é perecível e procurai a alegria do que é Eterno: não vos deixeis atrair pelas posses dos outros ║»
«6. Aquele que vê todos os seres no seu próprio Eu, e o seu próprio Eu em todos os seres, esse perde todo o medo ║»
«7. Quando um sábio vê esta grande Unidade e o seu Eu se tornou em todos os seres, que desilusão ou desgosto se lhe poderão jamais aproximar? ║»
RELIGIÕES: História – Textos – Tradições. Prior Velho: Paulinas Editora, 2006, p. 246-247.
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