O Amor de Mãe e «A Despedida da Ama»


Dia da Mãe | 7 de Maio de 2023


É no quinto volume do periódico portuense A Grinalda que o poema abaixo transcrito – «A Despedida da Ama», de Júlio Dinis – é publicado pela primeira vez. Foi composto em março de 1865 e é assinado por “Gomes Coelho”, que o oferece a seu “primo e amigo J. J. Pinto Coelho”.


Adeus filho do meu peito,

Que do meu peito nutri…

Parto. Vou deixar-te, filho,

Ai, que farei eu sem ti?!


Adeus! Já quando acordares

Chorando não me verás;

Às noites a acalentar-te

Outra voz escutarás.


Que amor te ganhei, meu filho!

Que triste amor este meu!

Se assim tinha de deixar-te,

Pra que tanto te quis eu?


Os teus primeiros gemidos

Tua mãe não quis ouvir;

E a mim, que os calei com beijos,

Mandam-me agora partir!


Pus à volta do teu berço

Todo o amor que um seio tem,

E arrancam-te de meus braços,

Porque não sou tua mãe!


Os teus vagidos de infante

Fui eu quem os sosseguei;

Carinhos que semeava,

Para a outra os semeei!


Parto. Dentro em pouco, filho,

Nem tu me hás-de conhecer;

E assim de pequenino

Te ensinam já a esquecer.


Adeus! Nesta despedida

A alma toda se vai.

E, sem querer, o meu pranto

Sobre a tua fronte cai.


Que desse sono inocente

Te não vá ele acordar;

Que as forças me faltariam

Então, para te deixar.


Vamos, pobre mulher, vamos

Está finda a criação,

Deste vida a este menino,

Não lhe dês o coração.


O coração? Quem to pede?

Pedem-te o leite, não mais,

Vamos, pobre mulher, vamos,

Que o acordas com teus ais!


Adeus filho da minha alma,

Teus carinhos não são meus,

O choro corta-me a fala,

Mal posso dizer-te… adeus.


Numa «Carta literária», publicada em 10 de julho de 1867 no semanário Mocidade – intitulada «Amas, mestras e maridos» e assinada por Diana de Aveleda –, Júlio Dinis também aborda o mesmo tema central do poema «A Despedida da Ama». À luz dessa abordagem, mais pormenorizada, a “ama” (cujo amor substitui temporariamente o amor da verdadeira “mãe”, no poema dinisiano acima transcrito) pode representar simbolicamente a França – principal país donde chega a Portugal (que corresponde à verdadeira mãe) a moda, que o poeta reprova. Atentemos no que escreve Júlio Dinis (ou Diana de Aveleda) na referida «Carta literária» – referindo-se à menina de quinze anos que regressa ao lar materno, depois de ter sido educada num colégio que é “uma empresa industrial, que se propõe formar inteligências e corações para a sociedade”:


© Erica Guilane-Nachez – stock.adobe.com

Como vem prendada! Sabe dançar, tocar piano, bordar, cantar, falar francês, inglês e italiano, sabe que o mundo é uma esfera, que o descobridor da América foi Cristóvão Colombo, que Sampetersburgo é a capital da Rússia, que Napoleão perdeu a batalha de Waterloo, sabe de cor todos os nomes de poetas e romancistas notáveis da França e Inglaterra, sabe tudo o que a mestra lhe ensinou e muita coisa que lhe deixou aprender. Traz os baús cheios de livros de devoção franceses, volumes de Bonald, de Lorgnes e Dupanloup de volta a literatura de Alphonse Karr e Theoph. Gautier e a ciência de Figuier e da biblioteca das maravilhas.

Numa palavra vem uma menina da sociedade elegante, mais devota que religiosa. Costumada ao culto do regulamento, sujeitar-lhe-á também o cumprimento dos seus deveres para com a divindade.


Será essa “menina da sociedade elegante” a futura mãe portuguesa – a quem não foram transmitidos os princípios da “verdadeira moral” e, por isso mesmo, já não poderá ser mãe, no verdadeiro sentido do termo.

Considero muito significativas as seguintes afirmações que Júlio Dinis formula no final da referida «Carta literária», onde as intenções pedagógicas que persegue, com a sua composição, estão bem claras:

Vives num mundo onde a moda é soberana e contudo, vê a fé que eu tenho em ti [Cecília, figura fictícia a quem a carta é dirigida, representante simbólica da mulher jovem portuguesa dessa época], estou certa que, se um dia fores mãe, evitarás que te usurpem o amor dos teus filhos essas duas rivais da maternidade – a ama e a mestra – e, se o fizeres, está certa que nunca to usurpará inteiramente o rival, quase sempre vitorioso – o marido.


Na visão de Júlio Dinis, uma das consequências mais lamentáveis dessa falsa educação que as meninas das camadas privilegiadas da sociedade portuguesa de Oitocentos recebem é o casamento prematuro. Um tema que é tratado no poema «No trânsito de uma noiva», composto em “Funchal, Maio de 1869”, do qual transcrevo de seguida a quadra inicial, uma do meio, e aquela com que o poema finaliza:


Quem te foi vestir de noiva,

Aos quinze anos mal contados?

Quem cingiu de laranjeira

Os teus cabelos dourados?


Diante do altar sagrado

Não jures o que não sintas:

É Deus que te ouve, repara,

É Deus que te ouve. Não mintas.


Esse vestido de noiva,

Aos quinze anos mal contados,

É um véu negro lançado

Sobre teus sonhos dourados.


Sobre a temática acima brevemente exposta, cf. GRIEBEN, Fernanda – Júlio Dinis, apologista da Kunstreligion:  influência de uma corrente de pensamento europeu no percurso literário dinisiano. Lisboa : Universidade Aberta, 2016. Tese de doutoramento.  Disponível em https://repositorioaberto.uab.pt/handle/10400.2/5717


Fernanda Alves Afonso Grieben

[email protected]

Sou pintora, originária do Norte de Portugal, mas resido atualmente na Alemanha. Também gosto de escrever textos literários, sobretudo para a infância. Faço-o, principalmente, para mim própria. No entanto, alegro-me sempre que encontro uma possibilidade de partilhar a minha escrita com as demais crianças, de todas as idades. Sou Mestre em Teologia (UCP); Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas – variante de Estudos Portugueses e Doutorada em Estudos Portugueses, na especialidade de Literatura Portuguesa (UAb).

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