Túmulo de Júlio Dinis


O túmulo de Júlio Dinis, quem o visita?


Segundo o mais recente e fidedigno biógrafo de Júlio Dinis – Liberto Cruz –, os restos mortais de Joaquim Guilherme (nome que o poeta biografado recebeu no batismo) “foram trasladados para o cemitério de Agramonte”, “juntamente com os do pai e do irmão José Joaquim”, em agosto de 1888.

Cento e trinta anos depois, porém, quem sabe ainda onde se encontra a última morada terrena do autor das Pupilas? Quem visita o seu túmulo?  


Falecido “Aos doze dias do mês de Setembro do ano de mil oitocentos e setenta e um pelas uma hora da manhã”, sem ter feito “testamento”, Joaquim Guilherme Gomes Coelho foi sepultado, primeiramente, “no Cemitério de Cedofeita”, como consta da certidão de óbito, assinada pelo “Reitor António Gomes Ferreira”. Dezassete anos mais tarde, contudo, os seus restos mortais seriam trasladados para o cemitério de Agramonte, situado na mesma cidade do Porto que o vira nascer em 14 de novembro de 1839, ou seja, quase trinta e dois anos antes do seu falecimento.

O jazigo onde foram depositados os restos mortais de Joaquim Guilherme (juntamente com os de seu pai, José Joaquim Gomes Coelho, e os de um seu irmão cinco anos mais velho), na secção privativa da Ordem Terceira de São Francisco, em Agramonte, é um túmulo que se afigura bem modesto, quando comparado com os luxuosos e imponentes mausoléus, erigidos nesse segundo cemitério público da cidade invicta, onde estão sepultadas algumas das famílias mais ricas da alta burguesia portuense.


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Joaquim Guilherme faleceu sem ter feito “testamento”, como se pode ler na certidão de óbito. E por que razão haveria de o ter feito, se não possuía riqueza material? Seu pai, originário de Ovar e médico-cirurgião do Hospital da Ordem de São Francisco, no Porto, teve de trabalhar sempre arduamente para prover às necessidades da família e garantir a educação da prole (nove filhos, sendo Joaquim Guilherme o oitavo), que foi vendo desaparecer, dizimada pela mesma doença de que a sua esposa, Ana Constança Potter Pereira Lopes, também seria vítima, em setembro de 1845, quando Joaquim Guilherme ainda não completara os seis anos de idade.

A doença, o sofrimento e a morte foram acompanhando a breve existência terrena do autor das Pupilas do Senhor Reitor. E pode bem ser por esse motivo que Joaquim Guilherme tanto gostava de visitar os cemitérios e de meditar junto dos túmulos. A testemunhar esse gosto, ficaram-nos vários textos literários que assinou com o pseudónimo Júlio Dinis ou com o pseudónimo Diana de Aveleda. Um desses textos, um belíssimo poema composto em dezembro de 1859, é dedicado ao irmão acima mencionado, José Joaquim, com quem Joaquim Guilherme também teria mantido em vida uma relação muito íntima, principalmente, no tempo que decorre entre a morte da mãe de ambos e o falecimento desse seu irmão, em dezembro de 1855.

Eis aqui duas estrofes do referido poema, intitulado «A meu irmão»:


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Mas eu, que te amei, pra quem tu eras

Mais que irmão, mais que pai, mais que amigo,

Eu, a quem desde infante ofereceras,

Pra suprir o de mãe fraterno abrigo.


Repousa, irmão, à sombra do cipreste;

Não repousar na terra é desventura.

Dorme no mundo e acorda à luz celeste,

Cruzando o limiar da sepultura.


Joaquim Guilherme Gomes Coelho faleceu, rodeado de familiares e amigos, na casa de José Joaquim Pinto Coelho (um primo da sua idade a quem estava ligado por fortes laços de amizade), na Rua Costa Cabral, número 289, Porto. Esta casa deixou de existir, tendo cedido o seu lugar ao antigo Cinema Júlio Deniz, que atualmente se encontra transformado num espaço de dança: a Danceteria Júlio Dinis. A casa onde o poeta nasceu, na antiga Rua do Reguinho, no Porto, também foi demolida, para ser aberta a atual Rua Nova da Alfândega.

A conservação honrosa do modesto túmulo – que regista dados incorretos, inscritos na lápide, e se encontra praticamente abandonado –, onde jazem os restos mortais do grande escritor português, seria o mínimo que se poderia esperar dos órgãos responsáveis.


© Olena – stock.adobe.com

Mas como a verdadeira responsabilidade é sempre individual, deixo aqui um desafio a cada um dos leitores de Júlio Dinis:

Visite o seu túmulo, e não se esqueça de lhe prestar homenagem, da mesma forma que Diana de Aveleda (Júlio Dinis) diz ter prestado homenagem ao Bom Reitor, no final da primeira parte da Carta intitulada «Impressões do campo», publicada em O Jornal do Porto, na edição de 1 de agosto de 1864:

Desci ao cemitério, procurei, adivinhei o lugar onde o velho pároco repousava e… cumpri o desejo do poeta, ajoelhei e orei. Depois colhi da roseira próxima quantas flores ela tinha e esfolhei-as na campa.


O texto acima transcrito foi originalmente publicado no jornal “João Semana”, em 15 de agosto de 2018: cf. GRIEBEN, Fernanda – O túmulo de Júlio Dinis, quem o visita? In “JOÃO SEMANA”. QUINZENÁRIO OVARENSE. 104:16 (2018), p. 8.


Fernanda Alves Afonso Grieben

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Sou pintora, originária do Norte de Portugal, mas resido atualmente na Alemanha. Também gosto de escrever textos literários, sobretudo para a infância. Faço-o, principalmente, para mim própria. No entanto, alegro-me sempre que encontro uma possibilidade de partilhar a minha escrita com as demais crianças, de todas as idades. Sou Mestre em Teologia (UCP); Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas – variante de Estudos Portugueses e Doutorada em Estudos Portugueses, na especialidade de Literatura Portuguesa (UAb).

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