A vida da borboleta como símbolo de Esperança, numa carta de Júlio Dinis
Nos seus textos literários, Júlio Dinis estabelece com alguma frequência uma relação de semelhança entre a borboleta e a alma humana. Mas numa carta que redige em Ovar, no dia 10 de junho de 1863, o poeta vai ainda mais longe nessa comparação metafórica, sugerindo que os céticos e os desesperados, que vivem sem fé e com o desalento na alma, se arrastam na vida lenta e penosamente como a lagarta, que ainda não descobriu que é potencialmente uma borboleta.
O texto que enforma essa carta particular que Júlio Dinis endereça a sua madrinha, D. Rita de Cássia Pinto Coelho (uma prima, catorze anos mais velha), regista uma muito breve mas profunda reflexão filosófico-teológica, sobre a qual vale a pena debruçarmo-nos. Atentemos, por exemplo, na seguinte passagem, extraída da carta:
Tudo isto é esperar, tudo é apelar para o futuro das injustiças do presente e se os tribunais rejeitam a apelação, não o fará decerto o Tribunal Supremo, sempre aberto e patente, diz a revelação cristã, aos desafortunados deste mundo. Viver de esperança em esperança é o volutear da borboleta de flor em flor; viver sem fé e com o desalento na alma, é o arrastar lento e penoso da lagarta, à qual só faltam as asas para se transformar naquela. No caso em que falávamos há também umas asas e pode haver uma metamorfose tão admirável como a do insecto; as asas são as crenças no futuro; prendei-as a vós, cépticos e desesperados, vereis como vos sentis mais ligeiros.
É, pois, pela fé – que nos permite confiar no futuro – que a nossa alma pode sair do letargo em que se encontra quando nos entregamos ao ceticismo e ao desespero. É pela fé, pela confiança, que a nossa alma se transforma, aprendendo a cultivar a Esperança. E este é um tema que Júlio Dinis não vai abandonar nas restantes cartas que, de Ovar, endereça à sua madrinha e amiga. Na penúltima carta, por exemplo, redigida no dia 28 de julho de 1863 (dia anterior ao aniversário dessa sua prima), começando por afirmar que “um dia de anos é sempre um dia de recordações”, retoma o tema da Esperança, explicando que, no dia do nosso aniversário, a memória costuma ser seletiva, privilegiando as recordações que guardamos como positivas ou embelezando factos passados. Contudo, é importante que nos esforcemos por controlar a melancolia que domina esses pensamentos nostálgicos, para que possamos viver o presente “com fé e esperança”, já que são “estas duas irmãs as melhores companheiras que podemos tomar para as jornadas da vida” e é através delas que “esquecemos as dificuldades e estorvos com que lutamos no presente”. É reforçando poeticamente as ideias anteriormente expostas que Júlio Dinis termina, então, a referida carta com um poema (o primeiro escrito em Ovar), do qual transcrevemos de seguida o primeiro e os dois últimos quartetos:
Ai bem fadados os tristes
Que nunca perdem a esp’rança;
Sempre com fé no futuro
Nunca o sofrimento os cansa.
Pois quando de todo findam
As esperanças da Terra
A alma aspira os perfumes
Daquelas que o Céu encerra.
Confiemos, pois, confiemos,
Não abatamos a fronte.
Esperemos que o Sol ressurja
Dum ponto do horizonte.
O texto acima transcrito foi originalmente publicado no jornal “João Semana” , em 15 de novembro de 2017 : cf. GRIEBEN, Fernanda – A vida da borboleta como símbolo de Esperança, numa carta de Júlio Dinis. In “JOÃO SEMANA”. QUINZENÁRIO OVARENSE. 103:21 (2017), p. 8 .
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