A importância do diálogo…
…na perspetiva de Martin Buber
Erst wenn der Hochmut sich der Demut beugt, wird er erlöst; und erst wenn er erlöst wird, kann die Welt erlöst werden.
Martin Buber – Der Weg des Menschen: nach des chassidischen Lehre, p. 47.
A arrogância só será redimida quando se inclinar à humildade; e, só quando ela for redimida, é que o mundo pode ser redimido.
Martin Buber – Der Weg des Menschen: nach des chassidischen Lehre, p. 47.
Em alguns dos escritos que nos legou, Martin Buber (1878-1965), estudioso aficionado do hassidismo, transmite-nos essa corrente mística judaica, da qual faz uma leitura pessoal e original. Essa interpretação que Buber nos apresenta da doutrina hassídica foi, contudo, criticada, havendo até quem o acusasse de ter deformado o hassidismo. Saliente-se, porém, que, na visão de Martin Buber, o “hassidismo” (“Chassidismus”) não deve ser encarado como uma doutrina, mas como “um estilo de vida” (“eine Lebenshaltung”): é uma forma de viver que é formadora de comunidade (“gemeindebildende”) e, por isso mesmo, comunitária (“gemeindemäßige”), ou seja, é uma forma de viver em comunidade.
Na perspetiva Buberiana, o hassidismo é a única mística que santifica o tempo. Por ela, torna-se necessário que encaremos o mundo de uma forma diferente; que o vejamos com outros olhos: olhos que atuam, em vez de unicamente contemplarem. Mas não é só importante que o homem atue, também é importante como ele atua. Porque o ser humano torna-se “redentor” (“Erlöser”) do mundo, purificando-o no quotidiano, e ajudando, dessa forma, “as centelhas divinas” (“die heilige Funken”) – que desceram para a Terra, enquanto Deus construía o mundo – a libertarem-se e a regressarem à sua origem. Por isso, até o “ato” (“Handlung”) mais profano pode ser executado em “santidade” (“Heiligkeit”). Porque todo o atuar pode ser um culto, todo o atuar o deveria ser. O grande alvo a atingir é a união de Deus com o mundo; e, para que isso aconteça, é necessário que os seres humanos se entreguem totalmente de “corpo” (“Leib”) e “alma” (“Seele”) ao que fazem, independentemente do que fizerem. É neste sentido que o “hassidista” (Chassid) é então apresentado por Martin Buber como um ser humano que, experienciando a “alegria em Deus” (“Freude in Gott”), vive uma existência que afirma a “devoção ao mundo” (“Weltfrömmigkeit”). No entanto, essa alegria em Deus não se limita à esfera individual do Chassid, mas estende-se à vida em comunidade. Comunidade esta que precisa, por sua vez, de uma “liderança” (“Führerschaft”), de um líder – papel que será desempenhado pelo Zaddik, “o justo, o guardião, o perfeito” (“Der Gerechte, der Bewärte, der Vollkommene”). É por ele que se orientam os “piedosos” (“Frommen”), enquanto indivíduos, ou comunidade. Saliente-se, porém, que a “doutrina” (“Lehre”) do Zaddik não pode resumir-se às palavras que este profere, mas deve, acima de tudo, espelhar-se nos seus atos. Já que, os olhos do indivíduo, e os da inteira comunidade, se concentram nele. Desta forma, o Chassid aprende com o Zaddik a realizar o seu “trabalho diário” (“Tageswerk”) como Jichud. Pois, este é o alvo de todo o atuar: Jichud, “a unificação” (“die Einung”), a união em Deus dos seus Schechina na Terra. No entanto, isto nada tem que ver com meras exigências éticas, fundadas em mandamentos e máximas; este atuar vive de uma única força: Hithlahawuth, o “fervor” (“Inbrunst”). É santo entusiasmo inflamado.
Segundo o hassidismo, a linguagem da criação permanece para sempre na vida de todas as criaturas, na vida de cada criatura como um diálogo, no mundo como Palavra. Anunciar isto foi a missão de Israel. Ensinou e mostrou: o Deus verdadeiro é aquele com quem se pode dialogar (“der anredbare”), porque é um Deus que dialoga (“anredende Gott”). E é no sentido de se poder desenvolver uma visão monológica da relação com Deus, que a “religião” se pode transformar num perigo – um “perigo primordial” (“Urgefahr”) que ameaça o ser humano. É uma tentação encarnada no culto religioso (nos lugares “sagrados”, no tempo “sagrado”, etc.), que divide em duas esferas o mundo do ser humano e o lugar do encontro com Deus: a esfera do “sagrado” e a esfera do “profano”. Mas Martin Buber pergunta:
Poder-se-á limitar a presença de Deus a uma “área de gueto” (“Gettobereich”)?
Deus fala com o ser humano através das coisas e dos seres que lhe envia. O ser humano, por sua vez, responde a Deus através do seu “atuar” (“Handlung”). Quando atua no mundo o ser humano tem como verdadeiro “companheiro” (“partner”) Deus. Deus habita no mundo, fá-lo “Sacramento” (“Sacrament”). No entanto, Martin Buber também alerta para o facto de que esta não é uma afirmação objetiva, que resulte independentemente da vida vivida pelas pessoas humanas, e ainda menos de uma que se reduza somente aos limites da subjetividade, mas, sim, o mundo torna-se mais e mais “sacramental” (“sacramental”) no “contacto” (“Berührung”) concreto com os seres humanos. Pois, “Deus pode ser visto em cada coisa e pode-se chegar até ele através de cada ato puro (“reine Tat”)”. De que forma? Por meio do “ethos eterno do momento” (“von dem unendlichen Ethos des Augenblicks”). Esse do qual tudo depende, porque o que um ser humano aqui e agora faz, em santidade, não é menos importante, não é menos verdadeiro, do que a vida no outro mundo. O decisivo é: “Gott einlassen” – mas nós só podemos deixar Deus entrar na nossa vida onde realmente estamos, no lugar onde vivemos, onde se vive “uma vida verdadeira” (“ein wahres Leben”).
BIBLIOGRAFIA:
BUBER, Martin – Der Weg des Menschen: nach des chassidischen Lehre. 13. Aufl. Gütersloh: Gütersloher Verlagshaus, 1999.
BUBER, Martin – Die chassidische Botschaft. In Gesammelte Werke. Dritter Band: Schriften zum Chassidismus. München-Heidelberg: Verlag Lambert Schneider, 1963.
BUBER, Martin – Mein Weg zum Chassidismus. In Gesammelte Werke. Dritter Band: Schriften zum Chassidismus. München-Heidelberg: Verlag Lambert Schneider, 1963.
BUBER, Martin – Vom Leben der Chassidim. In Gesammelte Werke. Dritter Band: Schriften zum Chassidismus. München-Heidelberg: Verlag Lambert Schneider, 1963.
No Comments