“Arte de ser Português”, de Teixeira de Pascoaes
“Creio que a Epanáfora do Amor é muito mais da Saudade. E porquê? Pergunta que há muito já devia ter sido feita à nossa cultura: Que significará a descoberta da Ilha da Madeira (ou do Amor) por dois estrangeiros – dois ingleses? E porquê a sua redescoberta pelos portugueses? – mensageiros da Saudade?
E porque morrerão na ilha as ilusões dos amantes, como um castigo de todos os desejos, enquanto a saudade não fenece?
Quarto modo: A resposta a estas interrogações, como às que os demais modos da saudade perpetuam, poderão ouvir-se na catedral de mistério, que é a obra de Pascoaes. O genial poeta ofereceu os seus ombros de Atlante para levantar a Teoria das teorias da saudade. Actualizou em obra o que era espírito fluido através do pensamento e do tempo. Criou a Mitologia da Saudade (no Maranos); interpretou poeticamente a sua Teologia (no Regresso ao Paraíso); pensou por aforismos a Filosofia da Saudade (no Verbo Escuro); descreveu a sua História (nos Poetas Lusíadas); espalhou os seus ensinamentos na Pedagogia da Saudade ou na Arte de ser Português; e derramou em toda a obra a Poética da Saudade Lusíada” (BOTELHO, A., 1960: 70).
No trecho acima citado, A. Botelho toca um ponto nevrálgico da teoria da saudade, cujos ensinamentos, segundo este autor, teriam sido ‘espalhados’ por Teixeira de Pascoaes na Arte de ser Português. E fá-lo, precisamente, quando questiona: “E porque morrerão na ilha as ilusões dos amantes, como um castigo de todos os desejos, enquanto a saudade não fenece?” Na ilha, imagem do paraíso terrestre, símbolo da perfeição que se busca e só se pode encontrar no não-lugar – na utopia –, morrem as ilusões dos amantes, que “são seres animais e humanos” (PASCOAES, T., 1998: 23). E morrem, porque a lei suprema da Vida é “a lei do sacrifício das formas inferiores às superiores” (id.: 27); e, para além das ilusões humanas, e do próprio homem, “a Natureza já adquiriu uma forma de ser superior a ele – a ‘forma espiritual’” (id.: 24). Foi o mesmo homem quem preparou este advento do espírito, que se manifesta nos seus próprios sentimentos e ideias; e é neste sentido que Pascoaes diz ser a Pátria um ‘ser espiritual’, que depende de outros, de carácter humano, dos quais recebe a sua fraqueza e a sua energia (cf. ibid.). Recebe-as por meio do amor e do trabalho humanos, porque a lei do sacrifício é “a lei do amor e do trabalho” (id.: 28). Mas em que consiste este trabalho? E que tipo de amor é este, a que Pascoaes se refere, na Arte de ser Português? É uma “acção moral” (id.: 29) que o indivíduo pratica, “como patriota e como homem, a favor da Família, da Pátria e da Humanidade” (id.: 28), porque a Pátria “está intimamente ligada à Humanidade” (ibid.).
“A resposta de Pascoaes é que a mais alta aspiração portuguesa é a redenção da própria humanidade, instaurando uma nova civilização, transmutando o ‘pátrio amor’ no humano amor. A tal nova civilização dá o nome de Era Lusíada. Esta é a culminância da arte de ser português” (PATRÍCIO, M. F., 2000: 82).
Neste outro trecho, acima citado, M. Patrício realça um aspeto da obra Arte de ser Português, que encaminha o seu leitor na direção de uma profunda reflexão sobre o conceito de Pátria portuguesa, assim como o obriga a repensar o que significa ser-se português. Já que, “o bom português necessita de conhecer e comungar a alma pátria, a fim de se guiar por ela, no seu labor” (PASCOAES, T., 1998: 49), que, como vimos anteriormente, é uma ação moral. Será, pois, conhecendo o que ama, para poder amar (cf. id.: 48), que o português se transformará no patriota desejado, esse que compreendeu que a ‘alma pátria’ transporta em si mesma a “eterna Renascença” – que é a própria Saudade (cf. id.: 107) –, e que esta Renascença “Consiste na harmonia entre o Espírito e a Matéria, o princípio cristão e o princípio luciferiano ou pagão” (ibid.). É esta a “íntima aspiração da alma pátria” (id.: 112), que de ideia se fez sentimento, transitando do abstrato para o concreto (cf. ibid.), e, por isso mesmo, Pascoaes pode afirmar: “Se a ideia da Renascença, em Portugal, se tornou génio colectivo, deve competir ao povo português convertê-la em concreta realidade social ou nova Civilização”. Eis o ideal utópico, de um Povo-Saudoso (cf. LOURENÇO, E., 1988: 102-103). Ideal esse que – como nos confirma a asserção de A. Quadros abaixo citada – ainda não feneceu, porque a “saudade não fenece” na “Ilha da Madeira (ou do Amor)”.
“Na renovação, na regeneração, na renascença que apesar de tudo acreditamos estar ainda ao nosso alcance, obras como a Arte de Ser Português, de Pascoaes, são pedras angulares em que temos de apoiar-nos” (QUADROS, A., 1989: 97).
OBRAS CITADAS:
BOTELHO, Afonso (©1960) – «Renascença e Saudosismo», in COSTA, Dalila L. Pereira da; Pinharanda Gomes (1976) – Introdução à Saudade: antologia teórica e aproximação crítica, Porto, Lello & Irmão, pp. 67-76.
LOURENCO, Eduardo (1988) – O labirinto da saudade: psicanálise mítica do destino português, 3a ed., Lisboa, Publicações dom Quixote.
PASCOAES, Teixeira de (1998) – Arte de ser Português, 3a ed., Lisboa, Assírio & Alvim.
PATRÍCIO, Manuel Ferreira (2000) – «A filosofia da educação em Portugal no século XX», in História do Pensamento Filosófico Português [dir. Pedro Calafate] – Vol. V, O Século XX, Tomo 2 -, Lisboa, Editorial Caminho.
QUADROS, António (1989) – A Ideia de Portugal na Literatura Portuguesa dos Últimos 100 Anos, Lisboa, Fundação Lusíada.
Arte de ser Português, de Teixeira de Pascoaes (versão digital da BND):
PASCOAIS, Teixeira de, pseud.
Arte de ser português / Teixeira de Pascoaes. – Porto : Renascença Portuguesa, imp. 1915. – 186, [7] p. ; 14 cm. – (Cultura patriotica ; 1)
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