Gostar do saber, é saborear a Vida…
Sobre o modo de estudar
Conta a lenda que, quando Tomás de Aquino vislumbrou a sua passagem para o Além, num momento iluminado, pouco antes da sua vida terrena finalizar, pediu a seu secretário particular que queimasse tudo o que tinha composto para legar às gerações futuras. O secretário, porém, decidiu não obedecer às ordens do mestre; e a extensa obra que o ‘Doctor Angelicus’ compôs, ditando-a em simultâneo – diz-se – aos quatro secretários que a registaram por escrito, pode ser, hoje, consultada online (veja abaixo).
O meu primeiro contacto com a obra legada por esse Doutor da Igreja ocorreu, presencialmente, numa biblioteca, há já mais de três décadas. Fiquei impressionada: “Como é possível que alguém, num tempo de vida relativamente curto (cerca de 50 anos), consiga compor uma obra desta extensão?”, perguntei-me.
Nos tempos de hoje, que voam à velocidade da Internet, é ainda mais difícil imaginarmos que o cérebro de um único homem tivesse tido capacidade para produzir tanto, intelectualmente, em tão curto espaço de tempo. Refiro-me, somente, às obras compiladas na Summa Theologiae, onde Tomás de Aquino desenvolve questões fundamentais, de um ponto de vista filosófico-teológico, seguindo uma linha de pensamento onde ressalta, não só a influência do grande Aristóteles, como também a sua própria capacidade de discorrer logicamente.
Hoje, porém, não é para nenhuma dessas questões desenvolvidas na Suma Teológica que eu pretendo chamar a atenção, mas, sim, para uma carta particular de São Tomás de Aquino, que recebeu, posteriormente, o título: De modo studendi (Sobre o modo de estudar). Como se pode verificar – confrontando o texto original da carta, abaixo transcrito -, esse é, realmente, o tema tratado nessa carta, que é uma resposta endereçada por Tomás a um seu confrade, de nome João. Sendo ambos, nesse tempo, membros da Ordem dos Dominicanos, João apresenta-se como um noviço que interroga humildemente o já reputado Tomás de Aquino, acerca do melhor método a seguir para ser bem-sucedido nos estudos teológicos.
Analisando a resposta dada, contudo, poder-se-á concluir que o método aconselhado pelo mestre Tomás, também poderá ser aplicado, ainda hoje, com sucesso, a qualquer estudo que se realize. O texto da carta é conciso e preciso, bem no estilo de Tomás de Aquino: depois dos breves cumprimentos introdutórios, são apresentados um conjunto de pensamentos que podem ser denominados de ‘máximas’, porque não são somente um conjunto de regras práticas de estudo (aliás, excelentes), mas abarcam igualmente a dimensão ética do ato de estudar. Exprimindo-se e, logicamente, raciocinando em Língua Latina, para Tomás de Aquino, ‘saber’ é sinónimo de ‘sabor’ e ‘cultura’ é sinónimo de ‘cultivo’, assim como ‘estudo’ é sinónimo de ‘dedicação’. Logo, o ato de estudar, para adquirir cultura, é uma tarefa à qual o discípulo se deve dedicar com amor e paciência, da mesma forma que o lavrador se dedica ao cultivo dos campos – diria eu. E, como o lavrador, o estudante também deverá ter amor àquilo a que se dedica, porque compreende que dessa atividade depende o seu sustento. É a utilidade e o benefício pessoal da dedicação amorosa e paciente ao estudo, o que o mestre, principalmente, destaca retoricamente, no texto da carta.
Hoje, é fácil adquirir, rapidamente, muitos conhecimentos, sobretudo, através da internet. Contudo, muito desse ‘conhecer’ não o é, simplesmente, porque não é sinónimo de ‘saber’. Gostar do ‘saber’ é ‘saborear’ a Vida. Foi para saborear a Vida, para ‘sobreviver’, que, desde os tempos mais remotos, os seres humanos desenvolveram a sua capacidade de raciocínio, primeiramente, através do estudo do seu meio ambiente.
No sentido do que acima ficou brevemente exposto, parece-me relevante salientar que, mais importante do que o empenho pedagógico, por parte dos docentes, na transmissão de conhecimentos, é o alertar os discentes para a utilidade e o benefício pessoal da dedicação amorosa e paciente ao estudo.
De modo studendi
Quia quaesisti a me, in Christo mihi carissime Ioannes, qualiter te studere oporteat in thesauro scientiae acquirendo, tale a me tibi traditur consilium: ut per rivulos, non statim in mare, eligas introire, quia per faciliora ad difficiliora oportet devenire. Haec est ergo monitio mea et instructio tua. Tardiloquum te esse iubeo et tarde ad locutorium accedentem; conscientiae puritatem amplectere. Orationi vacare non desinas; cellam frequenter diligas si vis in cellam vinariam introduci. Omnibus te amabilem exhibe; nihil quaere penitus de factis aliorum; nemini te multum familiarem ostendas, quia nimia familiaritas parit contemptum et subtractionis a studio materiam subministrat; de verbis et factis saecularium nullatenus te intromittas; discursus super omnia fugias; sanctorum et bonorum imitari vestigia non omittas; non respicias a quo audias, sed quidquid boni dicatur, memoriae recommenda; ea quae legis et audis, fac ut intelligas; de dubiis te certifica; et quidquid poteris in armariolo mentis reponere satage, sicut cupiens vas implere; altiora te ne quaesieris. Illa sequens vestigia, frondes et fructus in vinea domini Sabaoth utiles, quandiu vitam habueris, proferes et produces. Haec si sectatus fueris, ad id attingere poteris, quod affectas.
CORPUS THOMISTICUM (Fundación Tomás de Aquino)
O projeto Corpus Thomisticum tem como objetivo tornar disponível à comunidade científica um conjunto de instrumentos para o estudo de São Tomás de Aquino, com acesso gratuito através da Internet. Seu conteúdo está dividido em cinco partes: […]
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https://www.corpusthomisticum.org/wintropt.html
São Tomás de Aquino (1225 – 1274)
COLLAERT, Hans, ?-1620
[São Tomás de Aquino] / Ioan Collaert sculp.. – [S.l. : s.n., ca. 1600?]. – 1 gravura : água-forte, p&b
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