“Por devoção a Nossa Senhora de Fátima”: uma história mal contada
13 de maio de 2023
A véspera do dia 13 de maio, dia em que se comemora a primeira aparição de Nossa Senhora de Fátima, traz-me sempre à memória uma história que me contaram há já vários anos… Baseia-se em acontecimentos reais que me foram relatados. E, se a história tivesse sido bem contada, eu não a revelaria aqui, como é obvio, numa atitude de respeito por quem ma tivesse confiado. Mas, o certo é que, esta, foi uma história mal contada, porque foi narrada da perspetiva de alguém que também a tinha somente ouvido, e não vivido. Contudo, uma história mal contada também pode dar muito que pensar, se subtrairmos os pontos adicionados, voluntária ou involuntariamente, e analisarmos unicamente os factos reais, que puderam ser comprovados. É sobre eles que convém refletir.
Partindo desta base, vou, pois, contar brevemente a história, em consonância com a minha própria interpretação dos factos ocorridos. Já não é uma história real (as personagens, seguramente, não o são), mas quase…
Quando Maria acordou, naquela manhã chuvosa de 12 de maio, o aperto que sentia no coração, antes de adormecer, ainda não tinha abrandado. Era um sentimento de angústia, para o qual não existia uma razão real, plausível. Era só um pressentimento.
O marido acorda, poucos minutos depois, ao som do despertador. Tem dificuldade em acordar cedo, mas, nesse dia, talvez pelo sentimento de compromisso, acordou de um momento para o outro e levantou-se logo. Cândido era assim mesmo. Quando prometia alguma coisa a alguém, a sua palavra era sagrada, como ele gostava de dizer…
Maria era diferente, talvez por ser mulher, talvez por já ter sofrido muito, talvez por estar grávida no fim do tempo de gestação… Fosse por que razão fosse, a esposa de Cândido, muito especialmente naquele dia, estava indiferente a compromissos com terceiros. Tanto mais que nem eram os seus. Ela nunca se comprometera com a vizinha, antes pelo contrário. Insistentemente, tentara dissuadir o marido da empresa a que essa senhora, viúva e já de idade bastante avançada, o persuadira. Dona Deolinda, porém, era, por temperamento, muito persistente. E Cândido não queria ficar com a consciência pesada quando ela morresse, em breve, como dizia. Isto, porque D. Deolinda estava cancerosa e, nesse tempo, sem qualquer perspetiva de tratamento. Por isso, era numa viagem à Cova da Iria que a idosa depositava a esperança de curar-se do cancro. Era imensa a sua devoção por Nossa Senhora de Fátima, dizia. Acreditava que ela a curaria.
Partiram os dois, no carro de Cândido, por volta das 5 horas da manhã. Tinha de ser, porque teriam de regressar a casa no mesmo dia. A viagem seria longa e cansativa. E nas estradas nacionais, mais perigosas e de condução mais difícil, os condutores tinham de estar muito atentos aos peregrinos que se deslocavam para Fátima a pé.
Maria fica para trás, em casa, sozinha…
É já madrugada do dia seguinte, 13 de maio, quando recebe a notícia. Tinha havido um trágico acidente de viação. O marido, Cândido, tinha falecido a caminho do hospital. A senhora de idade que o acompanhava tinha fraturado um membro inferior. Encontrava-se hospitalizada.
Dona Deolinda recompôs-se do acidente, pediu uma indemnização, mas nunca formulou um pedido de desculpas. E quando Maria teve de abandonar o andar que habitava, para regressar com seu filho recém-nascido à casa paterna, por falta de proventos, a velha senhora ainda estava rija e bem-disposta. Apregoava alegremente que o cancro tinha desaparecido, graças à Nossa Senhora de Fátima, que também a protegera no acidente de viação. Conseguiu atrair grandemente as atenções, recebeu reconhecimento por parte de todos os outros devotos da região. Sentiu-se também um pouco santa. Rezava muito o terço que tinha trazido de Fátima e todas as noites adormecia a admirar o rosto de Maria, a Mãe de Deus. Maria, a esposa de Cândido, adormecia a admirar o rosto de seu filho, recém-nascido.
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