Ginkgo Biloba (X)


EU SOU a árvore que Goethe cantou


INVERNO


Não há estação do ano mais triste do que o inverno. Os dias são curtos e frios; as noites longas e melancólicas; o vento rígido e destruidor. E uma árvore tem de lutar para sobreviver, para se manter firme e saudável. É um tempo de grandes provas, em que cada ser vivo é obrigado a revelar quanta energia verdadeiramente em si possui.

Esse inverno de então foi como qualquer outro, mas eu senti-o de uma forma diferente. Era o meu primeiro inverno em liberdade, a seguir aos anos cómodos na estufa…

Além do mais, eu estava demasiado imersa nos meus pensamentos. Tentava ainda encontrar respostas para as grandes questões que tinham surgido no outono… Por isso, a minha energia física vacilou bastante perante as intempéries. Um fenómeno invulgar, aliás, se pensarmos que sou uma árvore da espécie Ginkgo biloba, célebre por ter resistido ao Paleolítico e sobrevivido em Hiroxima. Mas o frio, que na Natureza se fazia sentir, crescia também dentro de mim. E eu comecei novamente a sentir-me só.

Estaria a perder a minha segurança interior, a confiança em mim própria? Parecia-me que sim.


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A ideia de poder viver eternamente, num espaço infinito, agradava-me, pois eu não gostaria de deixar de existir, num momento qualquer. No entanto, ela também me provocava uma certa insegurança, que nascia do facto de eu ter de admitir a existência de uma força, superior à minha, que regesse o ciclo da vida. Dessa vida de que eu fazia parte.

Até aí, tinha pensado ser eu a única orientadora da minha vida. Por isso, tentara cultivar o meu interior e fortalecer os meus pensamentos.

Centrara-me nas minhas próprias forças e contara só com elas.

Mas, agora, surgia à minha frente um caminho onde a minha vontade própria parecia não desempenhar um papel decisivo, uma vez que estaria subordinada a uma força superior que eu nem conhecia.

Quem era eu, afinal?

Já anteriormente me colocara esta questão. Só que a resposta que, entretanto, tinha encontrado, e me ajudara a viver feliz durante algum tempo da minha existência, tinha acabado de perder o seu valor.

Resolvi procurá-la, essa força superior à minha, da qual eu tinha estado todo o tempo dependente, sem saber.

Mas onde a encontraria? Por onde e como deveria começar a procura? Embrenhada nestes pensamentos, observei um conjunto organizado de pássaros migratórios que voavam para o Sul.

“Como será que eles sabem quando chega o tempo de partir, ou qual a direção que devem seguir?!”, interroguei-me, espantada. “Será que eles conhecem essa força superior que nos orienta?”


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Resolvi perguntar-lhes:

– Pequenas aves!

– Que desejas? – perguntaram-me elas, em conjunto.

– Eu gostava de saber se vocês conhecem a força que nos orienta.

– Nós só conhecemos a Força da Vida!

– E que força é essa? – perguntei, admirada.

– É a Força que vive dentro de nós, que é a mesma que vive dentro de ti e de todos os seres vivos.

– E não há força alguma que seja superior a essa? – perguntei, estupefacta.

– Não! – responderam as aves, a uma só voz.

– E quem rege as leis da Natureza?

– Elas se regem a si próprias. A Força da Vida também está nelas.

– Obrigada! – respondi. – Façam uma boa viagem! – acrescentei, despedindo-me.

“A Força da Vida!”, refleti. Que força era essa afinal? Se estava dentro de mim, não me podia ser estranha…

Tentei descobri-la.


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“Que sinais me deu ela até hoje?”, interroguei-me, em pensamento; e a resposta que encontrei foi clara: “Ela esteve sempre presente na minha existência!”

Tinha sido através dela que eu me descobrira a mim própria, no mais íntimo do meu ser; através dela, eu perguntava agora quem ela era. Estranho!… mas, ao mesmo tempo, fascinante…

Como podia estar tão viva dentro de mim, e eu nunca ter tomado consciência dela?

Olhei em meu redor e pude sentir, com toda a Natureza, uma comunhão espiritual e física que desencadeava dentro de mim uma paz imensa e um enorme sentimento de harmonia…

Essa Força da Vida, que nos unia e sustentava em permanente ciclo de vida, continha nela algo de infinito e indestrutível – era eterna!    

Lembrei-me então das palavras da minha avó: “Nós, árvores da espécie Ginkgo biloba, temos uma história da qual só temos razões para nos orgulharmos. Existimos neste planeta há milhões de anos e temos sido um verdadeiro exemplo de capacidade de luta pela vida, pela sobrevivência e pelo futuro!”

Eram realmente boas razões para me orgulhar de ser uma árvore da espécie Ginkgo biloba, mas, mais do que isso, eu queria ter o orgulho de ser um Ser Vivo! Já que, como o próprio nome indica, um Ser Vivo deve estar repleto de Vida, dessa Força da Vida que eu acabara de descobrir.

E foi essencialmente nisto que eu fiquei a meditar durante aquele longo inverno. O meu primeiro Inverno no parque…


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Coloco aqui, muito especialmente para ti, uma das minhas folhas.

Ofereço-ta como símbolo da minha Amizade.

O facto de não a poderes ver, ou sentir, não deve ser razão suficiente para duvidares. Ela está lá!!

Uma folha material, já não tenho para te oferecer…

As minhas raízes libertaram-se da terra, há quase um século…

EU… ainda estou VIVA! 

                         (Primavera de 1992)                                                                             


Fernanda Alves Afonso Grieben

[email protected]

Sou pintora, originária do Norte de Portugal, mas resido atualmente na Alemanha. Também gosto de escrever textos literários, sobretudo para a infância. Faço-o, principalmente, para mim própria. No entanto, alegro-me sempre que encontro uma possibilidade de partilhar a minha escrita com as demais crianças, de todas as idades. Sou Mestre em Teologia (UCP); Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas – variante de Estudos Portugueses e Doutorada em Estudos Portugueses, na especialidade de Literatura Portuguesa (UAb).

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