Ginkgo Biloba (V)
EU SOU a árvore que Goethe cantou
Um mundo invisível
Sob o ponto de vista das condições climatéricas, a estufa onde agora vivíamos parecia perfeita. Um horticultor, que nos visitava diariamente, não só nos dava água e sais minerais em quantidades suficientes, como também nos dirigia sempre algumas palavras agradáveis de ouvir, ainda que nunca se tenha apercebido de que o entendíamos.
Contudo, para me ter desenvolvido da forma que seria natural para uma árvore da minha idade, e da minha espécie, eu teria precisado de muito mais.Teria precisado de receber os raios solares diretamente nas minhas folhas, sem que a sua intensidade e pureza tivesse sido antes quebrada pelas janelas de vidro da nossa prisão… Assim como também teria precisado de sentir as minhas folhas a bailar suavemente, embaladas pelo vento… Enfim, se tentasse fazer uma lista mental de tudo o que me faltou, nesses anos tão importantes da minha vida, penso que não mais acabaria…
As plantas que tinham nascido na estufa, porém, não sentiam como eu. Para elas, aquele era o seu mundo. Tinham-se conformado com a sua realidade e consideravam-se felizes por não precisarem de lutar para sobreviver. Desconheciam tanto os gelos dos invernos como os intensos calores dos verões. E como nunca tinham vivido em liberdade, também não podiam sentir a falta do ar fresco… Ou a falta da água da chuva a escorrer pelas suas folhas, infiltrar-se na terra e chegar até às suas raízes. Ninguém sente a falta do que nunca teve. Por isso, para elas, eu era uma ingrata que não sabia dar verdadeiro valor ao conforto em que vivia.
Nunca, como nesse tempo, eu senti tão forte a necessidade de ter uma Amiga, ou um Amigo. Alguém que me compreendesse, sem me julgar. Alguém com quem pudesse falar abertamente, acerca de tudo.
Comecei então a entender melhor as palavras da aragem, quando me disse que não há mistério maior que o da procura. Eu tinha começado a procurar no interior do meu ser um outro eu. Ele seria para mim o tu que não existia no meio que me rodeava, e onde eu estava obrigada a permanecer. E pude sentir o mistério… Sim, o mistério da existência de um mundo materialmente invisível, mas real para a minha alma de árvore!
Era o mundo da minha sensibilidade interior. Que não era só meu, por certo. Pois estava convencida de que, nesse mesmo planeta onde habitava, também existiam outros seres vivos que o sentiam e viviam, tal como eu.
A esperança ficou em mim, e não mais saiu. A esperança de encontrar um dia a ligação entre esses dois mundos, o visível e o invisível, para deles fazer um único – um mundo que queria partilhar com todos os seres vivos!
Se me tivesse sido possível contar isto à minha avó, ela ter-me-ia certamente desiludido. Para ela, o que não fosse visível era somente fruto da fantasia, sem qualquer fundamento… E se pensarmos que a minha avó já era uma árvore centenária, então fica no ar a pergunta: “O que tinha ela aprendido realmente com a vida, para além dos seus provérbios, ao longo de todos esses anos?”.
De uma coisa eu tinha a certeza: dessa forma, eu não queria viver!
Aos poucos, fui intensificando o diálogo com as outras árvores da minha espécie. Nenhuma delas percecionava a vida da mesma forma que eu, no entanto, todas elas me compreendiam melhor do que as restantes plantas. Porque também elas tinham conhecido uma forma diferente de viver. E essa experiência foi gratificante para ambas as partes. À medida que nos fomos conhecendo melhor, as dificuldades que ao princípio surgiram, por analisarmos a nossa vida de perspetivas diferentes, foram desaparecendo, e nós tornámo-nos Amigas.
Com o brotar de uma Amizade entre duas árvores, surge sempre um elo que as une e fortifica. Assim também foi connosco.
A Amizade que nesses anos nos uniu ajudou-nos a crescer e tornou-nos mais fortes. De tal forma que, de pequenas árvores, débeis e inseguras, tornámo-nos em árvores robustas e resistentes. Não só fisicamente, como mentalmente. Por isso, um dia, olhando para nós e admirando-nos, o horticultor decidiu que era chegado o tempo de nos libertar…
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