Ginkgo Biloba (III)


EU SOU a árvore que Goethe cantou


Liberdade?


A nossa prisão foi destruída.

Após longo tempo de espera, a caixa onde nos encontrávamos foi desfeita, e nós pudemos voltar a sentir os raios de sol, que se infiltravam lentamente nas nossas folhas. Uma sensação maravilhosa!…

Nesse momento, tive de pensar como a minha avó tinha razão quando dizia que “por vezes, só sabemos dar valor a um bom Amigo, depois de o termos perdido”.

– Ah, meu Amigo Sol, espero não voltar a perder-te, nunca mais!   

Aos poucos, e uma por uma, lá nos foram tirando dessa horrenda caixa sombria. Embora com pouco cuidado, pois algumas das minhas raízes, estando mais presas à terra da caixa, lá ficaram, condenadas a irem parar a um balde de lixo que estava próximo.

Fomos replantadas, individualmente, em grandes vasos, que foram cheios com terra bem drenada; o que me fez muito bem, ajudando-me a recuperar as forças físicas e devolvendo-me o bem-estar moral.


© onlyyouqj – stock.adobe.com

Pouco depois, fomos colocadas num veículo puxado por cavalos que se foram deslocando, primeiro, a passo lento, e de seguida, a trote.

Sinceramente, não sei dizer o que era mais desagradável: se viajar de barco ou de carroça… Mas não nos restava qualquer alternativa.

Na minha mente, surgiam de novo perguntas às quais eu não encontrava respostas.

Primeiro de tudo, gostaria de saber por que faziam isso connosco. Os seres humanos são realmente muito complexos! O que os levaria a arrancar uma árvore da terra onde nascera e crescera, daquela forma? A transportá-la em condições antinaturais, para a levar… Para onde? Sim, para onde nos levariam?

As minhas companheiras formulavam desejos, ditados pela sua fantasia…

Uma delas, queria ser plantada junto a um rio de águas puras e transparentes, para todos os dias admirar a sua imagem que nelas se espelharia. E, juntando o agradável ao útil, considerava que, dessa forma, também nunca mais iria ter falta de água para se alimentar.


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Uma outra, por certo mais romântica, via-se já plantada num grande bosque, denso em vegetação, com animais saltando e esvoaçando livremente por todo o lado. Bem distante da civilização, sem visitas inoportunas de seres humanos.

Uma terceira, queria por força fazer parte de uma grande cidade onde vivessem muitos jovens apaixonados. Assim, daí a muitos anos, quando já fosse uma árvore adulta, e o seu tronco forte e robusto, talvez, quem sabe, as marcas de alguma navalha ficassem nele a lembrar um amor que tinha tido intenções de ser eterno…    

Como eram ingénuas as minhas companheiras! A julgar pelos seus desejos, elas ainda não tinham compreendido qual era, na realidade, a nossa situação. Nós estávamos mais dependentes do que nunca. Agora, não só tínhamos as nossas raízes presas à terra, como também estávamos subordinadas ao poder dos seres humanos.  


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Por mais incompreensível que se afigure, eu não me preocupava com nada… A nossa situação era lastimosa e desprovida de toda a liberdade, mas eu não me sentia prisioneira. Prisioneira tinha sido das ideias que adotara como minhas sem serem, quando ainda não tinha posto a minha existência em questão.

Só tinham passado algumas semanas, desde que deixáramos, todas juntas, o porto de Xangai. Não obstante, sentia-me como se tivesse envelhecido uns anos. É certo que nenhuma árvore pode envelhecer e amadurecer assim tão depressa, mas eu sentia como esta viagem me transformara. Ao mesmo tempo que ela parecia ter deixado as minhas companheiras tal como as conheci, quando fomos plantadas juntas naquela caixa fria e escura.

Penso que tudo isto se deve ao facto de elas se terem preocupado de mais com o seu meio ambiente, e de menos consigo próprias. Mas cada árvore pensa conforme ela é, e nenhuma pode produzir frutos que não correspondam às suas origens. Por isso, continuei ouvindo os seus relatos, sem mostrar qualquer reação de desacordo ou de incompreensão, face às suas ambições irrealistas.


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A nossa viagem continuava a ser monótona, como a anterior, no navio; mas, desta vez, eu podia pelo menos observar a paisagem.

Passávamos por uma estrada estreita, e tão comprida, que parecia não mais ter fim. Dos dois lados, só se viam terrenos: ora cultivados, ora baldios. O caminho era irregular, e as pedras soltas faziam-se sentir nas rodas do carro que nos transportava, atirando-nos, por vezes, umas de encontro às outras.

O mar não estava longe. Uma brisa muito leve e suave ainda se podia sentir no ar que respirávamos…

Veio-me então à memória a minha Amiga aragem. Como gostaria de voltar a vê-la!… Seria isso possível?


Fernanda Alves Afonso Grieben

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Sou pintora, originária do Norte de Portugal, mas resido atualmente na Alemanha. Também gosto de escrever textos literários, sobretudo para a infância. Faço-o, principalmente, para mim própria. No entanto, alegro-me sempre que encontro uma possibilidade de partilhar a minha escrita com as demais crianças, de todas as idades. Sou Mestre em Teologia (UCP); Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas – variante de Estudos Portugueses e Doutorada em Estudos Portugueses, na especialidade de Literatura Portuguesa (UAb).

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