Ginkgo Biloba (I)


EU SOU a árvore que Goethe cantou


O brotar de uma Amizade


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Eu tive uma Amiga que me disse um dia, há já muito e muito tempo, que não há mistério maior que o da procura. Nessa altura, porém, eu ainda era uma árvore muito pequena, com poucos anos de existência, e só mais tarde haveria de compreender o profundo sentido das suas palavras…

Era verão, e eu encontrava-me em situação de cativeiro, enclausurada numa enorme caixa de madeira, que era transportada no convés de um navio mercante. A minha terra de origem era a China; o meu destino, como o futuro me mostraria, a Europa.

Era verdadeiramente angustiante a minha situação. A minha, e a das minhas companheiras de sorte, algumas pequenas árvores da minha espécie.

Nós, apavoradas por tudo o que nos tinha vindo a acontecer nos últimos tempos, segredávamos umas às outras palavras balbuciadas, que bem exprimiam a nossa insegurança e desconforto. As nossas folhas, tenras e delicadas, tinham sido as primeiras a queixar-se: não recebiam Sol algum, e a água parecia ser cada vez mais escassa…


A certa altura, chegou até nós uma aragem. Era uma aragem muito diferente dos ventos a que estávamos habituadas.

As minhas companheiras, silenciando de um momento para outro, fizeram-me entender que não seria prudente dialogar com aquele ser desconhecido. Mas eu não resisti à tentação de o interrogar:

– Que vento estranho és tu?

– Porquê estranho?! – preguntou-me ele, admirado.

– Porque nós nunca te sentimos antes.

– Como é isso possível? Eu sempre vivi aqui, no mar…

– Mar!! – exclamámos aterrorizadas, a uma só voz.

Nós encontrávamo-nos algures no alto-mar!… E como era confrangedor este reconhecimento, para uma árvore, habituada a ter as suas raízes bem presas à terra!


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– Que mar é este? perguntei-lhe, mais tarde, quando já me tinha recomposto um pouco do susto que eu e as minhas companheiras tínhamos acabado de sofrer.

– É o oceano Atlântico. Um oceano imenso e maravilhoso!…

Não nos foi possível compreender a admiração com que a aragem falava daquele oceano. No entanto, sentíamos que tínhamos algo em comum: amávamos com a mesma intensidade o lugar a que pertencíamos: ela, o mar; nós, a terra. Por isso, a partir desse momento, a presença da pequena aragem tornou-se para nós menos incomodativa, e eu até comecei a simpatizar com ela.

– Mas… diz-me, o que procuravas quando entraste aqui? – perguntei-lhe.

– O que procuramos todos nós, os ventos: simplesmente, a aventura! Não há mistério maior que o da procura…

Senti a apreensão com que as minhas companheiras receberam estas palavras da aragem. Elas eram árvores, eu também. Facilmente as compreendi. Não obstante, um sentimento singular, desconhecido para mim até àquele momento, se foi apoderando do meu ser…

O que seria isso que me deslumbrava nas palavras da aragem?


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– Tu já deves ter visitado inúmeros lugares! – exclamei, encantada. 

– Claro! Eu viajo por todo o lado: de dia, do mar para a terra; de noite, da terra para o mar. Não há porto de mar que eu não conheça.

– E como são essas terras? – continuei interrogando, curiosa.

A paixão com que a aragem começou então a descrever, minuciosamente, esses lugares por onde costumava viajar fez-me esquecer, por completo, a situação real em que me encontrava. Com ela, eu viajava também, em pensamento. E a felicidade que sentia era indescritível…

– Como eu gostaria de visitar todos esses lugares! – exclamei, por fim, ainda sonhando acordada.

– Mas que dizes?!! Tu és uma árvore, e árvores não viajam! A não ser contra a sua própria vontade, como nos está a acontecer neste momento… – exclamaram, chocadas, as minhas companheiras.

De repente, acordei do meu sonho. Elas tinham razão. Uma árvore que se preze não viaja, nem mesmo em pensamento.

Permaneci longo tempo em silêncio. E a aragem, que amava a aventura e não gostava da monotonia, resolveu ir-se embora.


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– Adeus, pequena árvore! – disse-me à despedida, em tom tão afável, que eu fiquei com a sensação de também ter conquistado um pouco o seu coração, como ela conquistara o meu.

Na realidade, eu nunca tinha tido oportunidade de encontrar uma Amiga ou um Amigo, no lugar donde viera. E este novo sentimento de partilhar um sonho com alguém era fascinante.

Foi com tristeza que me despedi:

– Adeus!… Será que ainda nos voltaremos a encontrar algum dia?

– Disso eu tenho a certeza! – afirmou a pequena aragem. – Se esse for realmente o teu desejo, ainda nos voltaremos a encontrar.

E a aragem partiu.


Fernanda Alves Afonso Grieben

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Sou pintora, originária do Norte de Portugal, mas resido atualmente na Alemanha. Também gosto de escrever textos literários, sobretudo para a infância. Faço-o, principalmente, para mim própria. No entanto, alegro-me sempre que encontro uma possibilidade de partilhar a minha escrita com as demais crianças, de todas as idades. Sou Mestre em Teologia (UCP); Licenciada em Línguas e Literaturas Modernas – variante de Estudos Portugueses e Doutorada em Estudos Portugueses, na especialidade de Literatura Portuguesa (UAb).

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